Amigos e negócios


Tanto quando se tem uma pequena empresa quanto quando se trabalha em uma organização, independentemente do tamanho, as relações de amizade tornam-se um desafio nem sempre fácil de lidar. Esse fenômeno é típico do Brasil e de alguns outros países latinos. A mistura entre as relações pessoais e profissionais pode levar a situações bastante constrangedoras porque não sabemos separar. Ou quando sabemos, podermos deparar com amigos que ainda não tem esse discernimento.

Em países como Estados Unidos esse "drama" é bem menor. Isso porque, aqui no Brasil temos a cultura protecionista de preservação do clã. Vamos começar pelas indicações. Boa parte das contratações no Brasil se dá por indicações. Ou seja, um grande profissional pode perder a possibilidade de se colocar em uma boa empresa simplesmente por não ser amigo de alguém que nela trabalhe. As indicações podem ser positivas desde que elas sejam feitas pela qualificação profissional. "Trabalhei com fulano e ele é muito competente, nisto em naquilo" é bem diferente de "vou lhe entregar o currículo do meu amigo.

Tenho por princípio evitar amigos na minha equipe, principalmente se forem subordinados a mim. Os motivos são basicamente dois: primeiro não quero dúvidas – nem internas nem externas - na condução da relação. Segundo: não quero sombras e nem reflexos do cotidiano do trabalho no fim de semana.
Tanto na contratação de funcionários quanto na de parceiros ou fornecedores, colocar o quesito amizade ou parentesco em primeiro lugar pode nos levar a: relevar demais na hora da escolha; perder tanto o foco quanto a objetividade; não terminar a relação quando for necessário; misturar questões pessoais e profissionais ou manter acordos verbais quando deveríamos documentar.

Por outro lado, todos têm amigos muito competentes com os quais seria prazeroso manter relações profissionais primeiramente pela qualidade do trabalho e tendo a afinidade pessoal como um diferencial. É possível e pode dar certo, desde que a ordem de prioridade não se inverta.

Maturidade das partes

Além disso, a maturidade das duas partes é fundamental, pois pode ser que deparemos com situações constrangedoras como a necessidade de um feedback negativo ou ter de contestar trabalho feito um dia antes de sermos padrinhos de casamento desse amigo. Ou ainda não podermos comentar sobre o dia a dia do trabalho na vida social porque um dos amigos é justamente nosso funcionário.

Outro momento delicado é na contratação de um fornecedor quando um estranho oferece muito mais qualidade e melhor preço do que um amigo. Afinal, amigo escolhemos pelo coração e não pelo currículo. E nem sempre dá para não comentar a contratação de um serviço, como por exemplo a reforma na casa quando se tem um amigo arquiteto.

Quando um companheiro de trabalho, parceiro ou fornecedor se torna amigo, contornar essas situações tende a ser mais fácil porque a relação teve início em outras bases. Em todos os casos a maturidade é muito importante, mas nem sempre a temos. Na nossa cultura prevalece a interpretação emocional dos fatos sobre a racional.

Se um amigo nos demite, nos dá bronca no trabalho, não nos contrata como fornecedores ou não nos indica para uma vaga de trabalho tentemos a ficar magoados e a acreditar que a pessoa não é nossa amiga. Queremos ouvir o que ela pensa de nós desde que seja um diagnóstico positivo. Criamos mágoa pois não estamos preparados para ter uma conversa adulta sobre nossas relações e separar os assuntos.

Ainda cremos naquelas frases de post de facebook em que amigo é aquele que nos apoia em tudo. Será? Particularmente prefiro aquele que é sincero àquele que é político. Aquele que não me contrata e diz o motivo àquele que me contrata mas fica se remoendo por dentro, enquanto o restante do escritório me isola ou é simpático comigo apenas porque sou amiga do chefe. Isso acontece porque confundimos a rejeição pessoal com a não escolha profissional. E cobramos por isso.

O bom é que esse não é um caminho sem volta. Podemos sim trabalhar e fazer negócios com amigos desde que um requisito não interfira no outro.

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