No Brasil foram
abertas 2,5 milhões de empresas em 2018. Cerca de 2 milhões são MEI (Microempreendedor
Individual e não vão viver as situações que vou citar neste artigo. Quero falar
das outras 500 mil, boa parte delas formada a partir de uma sociedade. Muitas
por marinheiros de primeira viagem que pegam o parente mais próximo ou o melhor
amigo para ser sócio. Surgem então desafios internos que podem ser mais
destrutivos para o negócio do que a tão acirrada concorrência.
Unir forças para alcançar um objetivo é prática encontrada
nos primórdios da existência humana. Na Roma Antiga começaram a ser
formalizadas as primeiras “sociedades civis” em que, preferencialmente,
parentes se uniam em prol de alguma atividade não necessariamente com foco
comercial. O acordo restringia-se à união. Não havia direitos e deveres
definidos e nem ao menos divisão patrimonial.
Como o crescimento do comércio, principalmente na época das
grandes navegações, os parâmetros das sociedades também mudaram. Já não eram
sempre familiares, tinham cada vez mais foco comercial e, nos acordos entre
sócios começaram a ser registrados os investimentos e a divisão patrimonial.
Foram tantas modalidades de sociedade que surgiram ao longo da história, que poderíamos
falar horas sobre os modelos surgidos e as mudanças comportamentais e legais ao
longo dos séculos.
Por mais que tenham mudado os modelos econômicos e a
dinâmica social, um ponto permaneceu como o calcanhar de Aquiles das
sociedades, principalmente das pequenas e médias empresas: os critérios equivocados
para se escolher um sócio e os conflitos gerados durante toda a vida da empresa
a partir desse equívoco inicial.
Segundo uma pesquisa divulgada em outubro de 2018 no jornal
da USP, dados do IBGE e do Sebrae indicam que aproximadamente 90% das empresas
brasileiras têm origem familiar. E são justamente nas empresas familiares que a
questão do alinhamento societário é mais complicada. Mas vamos primeiramente
falar das sociedades em geral para depois entrar no caso específico das
empresas familiares.
As sociedades costumam ser montadas com muita pressa e sem
fazer as perguntas certas. Os empreendedores se apaixonam por uma ideia e essa
paixão os une para tocarem juntos um negócio. Paixão é importante? Claro que sim, mas não é
só isso. Essa atmosfera inebriante que se forma ao redor de uma ideia pode
levar a casamentos que, com um pouco mais de pé no chão, não resultariam nem em
um flerte.
Quando inicio um trabalho de alinhamento societário a
primeira pergunta que faço para os sócios em conflito é: por que você escolheu
o fulano como seu sócio? A maioria das respostas se divide em: porque é uma
pessoa de confiança; porque somos amigos há tempo; porque é meu irmão; porque é
meu pai; porque ele tinha o dinheiro que eu não tinha, porque já trabalhamos
juntos. Claro que empatia e confiança contam e dinheiro também. Mas não é só
isso.
Quando faço as perguntas corretas para se fazer um “processo
seletivo”, sim a escolha de um sócio precisa passar por um processo seletivo,
as respostas costumam ou ser um tímido não ou um silêncio ensurdecedor. São
perguntas como:
Se ele não fosse seu amigo – ou parente – e você tivesse que
escolhê-lo pela contribuição técnica que ele pode dar ao negócio ou pelo
conhecimento que ele tem de gestão, você o teria como sócio?
Você sabe qual a situação jurídica pessoal do seu sócio –
processos trabalhistas anteriores, se deve pensões ou ao INSS ou outra
pendência que possa resvalar na empresa?
Vocês passaram por algum processo de assesment (mapeamento de
competências, habilidade e comportamentos que as empresas fazem nos processos
seletivos) que analisasse as competências e habilidades de ambos para verificar
no que vocês são complementares, no que essas competências são conflitantes ou
quais habilidades faltam a essa sociedade?
Você checou como seu sócio gere as próprias finanças
pessoais antes de assinar o contrato?
A lista de perguntas é grande, leva em conta diversos
aspectos importantes que, se verificados antes da sociedade ser formalizada,
podem evitar diversos problemas gerando ou um alinhamento prévio ou até um
repensar. Mas, dificilmente esse processo é feito com a profundidade que merece
e de maneira preventiva.
No dia a dia outros pontos também podem levar a conflitos. E
eles estão ligados principalmente à comunicação entre os sócios e à mistura do
relacionamento pessoal com o profissional. Aqui entra o agravante da empresa
familiar.
Com o propósito de não gerar conflitos muitos pontos não são
conversados. Os sócios ou se apegam ao que eu chamo de princípio do “óbvio”
(mas é tão óbvio, como ele não faz ou não percebe) e o afastamento começa a
acontecer. Em vez de buscar conversar para resolver os problemas, a comunicação
passa a ser apenas do essencial. Ou quando tentam, ambos estão mais preocupados
em “vencer” a discussão do que em focar em resolver o problema
independentemente de quem teve a ideia.
Uma vez eu atendi uma empresa que funcionava há 15 anos,
sendo que nos últimos dez os sócios conversavam apenas o essencial, quando o
faziam. A cisão entre eles se alastrou pela equipe dividindo-a em “dois times”
em clima de final de campeonato. Imaginem a produtividade dos profissionais
nesse tipo de ambiente. Ás vezes ter trabalhado junto também não basta. Nosso posicionamento quando empregados pode
ser bem diferente de quando somos donos do negócio.
Nas empresas familiares o risco é maior, pois além dos itens
já debatidos aqui, poucas sabem definir a fronteira entre o pessoal e o
profissional. A falta de alinhamento entre a família pode levar o clima
organizacional a se tornar uma surpresa a cada dia, variando conforme o que
acontecera na casa dos sócios no período entre um expediente e outro. A questão
nas empresas familiares é mais complexa e merece um artigo dedicado somente ao
tem
Acreditar que é possível um relacionamento 100% harmônico
entre sócios é o mesmo que acreditar que se vai casar com um príncipe
encantado. É possível reduzir e muito o conflito entre sócios melhorando assim
a produtividade da empresa independentemente do seu tamanho e área de atuação.
Enquanto
não entendermos que a escolha de um sócio precisa seguir determinados
requisitos e o relacionamento entre eles necessita de cuidados diários,
continuaremos acreditando que ter o mesmo sonho ou o mesmo sangue são as
receitas mágicas do sucesso empresarial. Com isso, vamos continuar alimentando
inimigos internos. E empresa que tem inimigo interno não precisa de
concorrência para fechar as portas.
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