Sustentabilidade da porta para dentro


Proteção ambiental e projetos de Responsabilidade Social vêm se tornando práticas cada vez mais comuns nas empresas. Um número crescente delas já atua dessa forma e tantas outras pretendem atuar. Há corporações até que criam seus próprios institutos ou fundações enquanto outras se associarem a ONGs e consultorias.

Além de contribuir com o entorno ou com alguma causa, projetos ajudam a ganhar prêmios e espaços na mídia. E da porta para dentro, também é assim que funciona? Será que esse entusiasmo - e principalmente essas ações – acontecem internamente na mesma medida? Há empresas que são exemplos de boas práticas nos dois lados da moeda. Pena que um número maior ainda vê esses temas apenas como oportunidades apenas da porta para fora. Para algumas organizações ainda o único pilar da sustentabilidade que importa da porta para dentro é o econômico. O pior é quando essa situação é encontrada nas ONGs e consultorias de RSC e de sustentabilidade.

A fragilidade interna limita o comprometimento

A preocupação em ser aceita pelas comunidades – e com isso não comprometer o seu negócio na região em que atua – leva algumas empresas a investir milhares de reais em projetos sociais ou de proteção ambiental. Nem sempre tais projetos vão ao encontro das necessidades locais, mas geram visibilidade (tema para discussão futura).

A questão que coloco agora é o quanto esse cuidado da porta para fora é semelhante ao cuidado que se tem da porta para dentro? Quem quer o verdadeiro reconhecimento precisa dar exemplo. De que adianta uma organização incentivar, por exemplo, ações de desenvolvimento de pequenos negócios ou de fornecedores se seu sistema interno de gestão estiver à beira do colapso?

Promover programas de portas abertas e transparência quando os funcionários não recebem retorno (ou se recebem são em forma de represália velada) ao questionar as atividades da empresa em que trabalham não faz sentido, mas acontece. Programas de educação para a população local não podem andar junto com corte de verbas para apoio educacional dos funcionários. Preservar a mata do entorno ou a vegetação da praça principal da cidade é importante. Mas gera credibilidade no quesito ambiental quando, nas instalações da empresa, não há pelo menos um programa sério de redução de lixo e de coleta seletiva em todos os departamentos?

Apoio a organizações internacionais que lutam contra trabalho em condições inadequadas ou degradantes beiram à superficialidade quando os funcionários desse patrocinador trabalham constantemente até tarde da noite com suas horas extras não computadas, disfarçadas como “cargos de confiança” ou relações de trabalho “modernas”. Que funcionário dará atenção a campanhas internas de direção defensiva ou trânsito seguro quando a manutenção da frota deixa de ser feita por questões de economia?

A causa não pode ser a justificativa


Infelizmente essa dualidade também acontece em ONGs e algumas consultorias de Responsabilidade Social e Sustentabilidade. Às vezes até mais do que nas empresas, devido aos poucos recursos. Não faz muito tempo, uma amiga veio me contar, entusiasmada, que começaria a trabalhar em uma ONG promotora do desenvolvimento local por meio do empreendedorismo. Eram capacitações e consultorias sobre como abrir e manter um negócio totalmente dentro da lei, com plano de gestão, projetos de desenvolvimento de pessoas e tudo mais que pregam os gurus da administração de empresas e a legislação brasileira. Apesar da empolgação ela estranhou a sua contratação ser informal e sem nenhum benefício.

O escritório não tinha estrutura, a cadeira dava um pouco de dor nas costas e, constantemente, ela e seus colegas precisavam ficar até bem mais tarde sem direito a táxi para ir embora. Apenas às baratas que insistiam em frequentar o local.

Ao reclamar ouvia que era preciso fazer economia em prol da “causa”. Durou pouco. Ela acreditava – e muito – na “causa”, mas seu discurso nos treinamentos já não era mais como antes. Porque lhe faltava o principal: receber em seu ambiente de trabalho o que ela ensinava ser o correto para o desenvolvimento e o sucesso de qualquer empreendimento. Chegou, inclusive, a pensar em pedir emprego em um desses pequenos negócios que ajudou a desenvolver.

Afinal, que credibilidade podem ter empresas ou instituições que não aplicam em seu cotidiano o conteúdo do discurso ou das ações que praticam da porta para fora? O comprometimento tão almejado dos funcionários se transforma em desconfiança, quando não em revolta. E o tiro sai pela culatra.

 Sobre a instituição em que a minha amiga trabalhava? Hoje está às moscas, ou melhor, às baratas.

Comentários

  1. Muito pertinente esse artigo Karen, também trabalhei em um lugar que a Responsabilidade Social era da porta pra fora. Atrasavam pagamentos, não registravam a maioria dos funcionários e inúmeras vezes, presenciei humilhação aos funcionários entre outras coisas. Desrespeito total, ética zero!

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