O falso milagre das palestras

Há algum tempo venho analisando o crescimento, a banalização e o uso distorcido do mercado de palestras corporativas. Demorei para tocar nesse assunto até porque há tanto para falar da confusão que esse setor se transformou, que seria necessário priorizar alguns aspectos e deixar outros de lado. Dividirei então esta reflexão em duas vertentes: a primeira sobre a “profissão” palestrante e a segunda sobre usar palestras como instrumento de venda do próprio trabalho.

Sobre a “profissão” palestrante, é preciso tomar cuidado. Uma boa palestra equilibra dois elementos fundamentais que são o conteúdo e a forma. Pouco adianta gastar milhares de reais em treinamentos para palestrantes se você não tem conteúdo, especialidade, enfim, não é um expert naquilo sobre o qual fala. Copiar citações ou trechos de livros não faz de ninguém um palestrante, e sim um imitador. É preciso ter propriedade, conhecimento sobre o conteúdo.

Outro dia eu estava em um almoço de empresários em uma renomada instituição paulista quando apareceu um homem por volta dos 40 anos, muito bem vestido. Interrompendo a conversa mesa por mesa sem pedir licença, ele entregou a todos um folheto convidando para uma palestra sua na semana seguinte a um preço consideravelmente alto para alguém que não tem nome no mercado. Ao estender a mão com o folheto ele dizia: eu fiz o curso de palestrantes de fulano de tal (citando um dos mais famosos da área) e vou dar uma palestra aqui na semana que vem.  Na hora eu perguntei: a sua palestra é sobre o curso de palestrantes? Ele pareceu surpreso e foi logo dizendo: não. Eu vou falar sobre o tema X. Ahh....

Resolvi continuar a conversa: mas se a sua palestra é sobre o tema X,  por que você não nos convida falando um pouco do conteúdo do seu discurso e da sua experiência na área, em vez de anunciar em qual escola de palestrantes você se formou? O homem ficou mudo. Parecia que eu tinha pedido a ele para resolver o maior enigma do mundo. Esse é um grande problema: vender a forma quando não se tem conteúdo, quando o que se vai apresentar é a reprodução de teorias que você nunca leu e são totalmente descoladas do dia a dia do público. E ainda tem quem acredite que vai ganhar 10 mil reais por isso.

Por outro lado, surgem aqueles que acreditam que apenas ter conteúdo basta.  Não interagem com o público, apresentam material de suporte sem qualquer atrativo visual e perdem-se na sua expertise, acreditando que técnicas de oratória e de comunicação visual não tem qualquer fundamento científico e não passam de “bobagens” que vão interferir no “seu jeito”. Tornam-se desinteressantes e ainda saem falando que o público não foi capaz de entender a profundidade do seu recado.

Conteúdo não é discurso de vendas


Recentemente a área de vendas descobriu o mercado das “palestras” como uma alternativa a investimentos em mídia tradicional. E desavergonhadamente transformou o que seria um meio para transmissão de conhecimento em uma oportunidade para, como se diz na área comercial, dar um “malho de vendas”. Anunciam uma palestra sobre um determinado tema a preços baixos ou gratuitas. E quando você chega lá, ouve alguém falar exaustivamente como “a empresa do palestrante” pode resolver todos os seus problemas. Traz um ou outro dado de mercado nos primeiros cinco minutos e depois dá-lhe autoelogio.

Não descarto o fato de a palestra ser um bom instrumento de vendas. Desde que em uma hora no palco, o palestrante faça isso nos últimos cinco minutos e não o contrário: abrir com cinco minutos de conteúdo relevante e ficar outros 55 forçando a plateia a comprar alguma coisa ou a entrar em uma pirâmide. Se a sua palestra tem conteúdo relevante, se o público sai de lá com algum conhecimento agregado, pode ter certeza que a imagem da sua empresa já foi feita. Não é necessário transformar uma proposta inicial de geração de conhecimento em uma prospecção coletiva.

Diante disso surgem dois outros problemas: o excesso de programações de palestras e a prostituição do mercado. Acostumados com os “palestrantes-vendedores” muitos espaços para eventos querem transformar uma atividade profissional que deveria ser paga em algo a ser feito de graça, ou pior, alguns locais – renomados até - tentam cobrar taxas do palestrante dizendo que estão dando a “oportunidade” de o palestrante vender sua empresa então para isso ele precisa pagar um determinado valor.


Não sei qual será o futuro desse movimento. Mas sei da satisfação que dá quando encontramos alguém que em algum momento esteve na plateia, reconhece você e diz: nunca esqueci daquilo que você falou. Coloquei em prática e me ajudou muito (ajudou... porque para mudar a vida de alguém é preciso muito mais do que uma palestra).

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