A Globo e o Coaching


Na primeira semana de fevereiro uma cena da novela O Outro lado do Paraíso mostrou duas personagens conversando, sendo que uma delas pedia ajuda para a solução de um processo traumático de origem sexual vindo do passado e a segunda mostrava que o problema poderia ser resolvido com um processo de Coaching, sugerindo um profissional vindo de uma escola específica. Pois é.... o acontecimento merece análise em partes: o posicionamento em si e a indicação se foi correta ou não

Quem mexe um já mexeu um pouco com comunicação sabe que essa cena incluiu o chamado merchandising, ou seja, quanto uma marca paga para que, em um determinado contexto, ela seja mencionada ou incluída. Tanto como Master Coach quanto como profissional de Comunicação “estranhei” muitos pontos na ação. Primeiramente quando uma das personagens diz, segundo fulano de tal, o maior coach do Brasil. Hmmmm. Vamos lá

Na escola de Coaching em que eu tirei seis das minhas sete certificações, nós sempre ouvimos que quando um coachee (cliente) diz X coisa é a maior, a melhor,  apior, seja, do mundo, do Brasil, de São Paulo etc somos orientados a perguntar: baseado em que você diz isso? Você conhece todos os outros X do mundo, do país, da cidade etc para poder afirmar com certeza que o seu é o maior, melhor, pior etc? Vi aqui já um princípio que considero incoerente na cena da novela, pois se o questionamento acima faz parte da postura de um coach, com base em que a personagem elege um profissional como o melhor do Brasil? Mas, enfim, que seja uma licença poética em uma campanha publicitária

Agora sobre a abrangência do Coaching em si. A falta de regulamentação da profissão, na minha percepção, contribui – e muito – para a banalização da mesma. Minha avó dizia: quem tudo quer, nada tem. E é dessa maneira que eu vejo o Coaching hoje. Querendo demais e se “achando” demais em vez de assumir seu real lugar. Estou nesta profissão desde 2012, após quase 25 anos em carreira na área de Comunicação e Sustentabilidade, tanto na mídia quando na área corporativa.

Deslumbramento ou desespero?


E o que eu vejo é um deslumbramento – ou desespero – dos próprios profissionais de Coaching em estar inseridos em absolutamente tudo para buscar clientes ou mercado e, com isso, ultrapassando duas fronteiras: a da boa convivência com outras profissões e a do risco oferecido ao cliente. Além de, na minha percepção, em longo prazo ser um tiro no pé para a própria área de Coaching – cujo título até vendedores de produtos em marketing multinivel se apropriaram e colocaram nos seus cartões de visitas.

Assim como vendedores e consultores erroneamente se apropriam do título de Coach, os profissionais de Coaching vêm entrando na seara alheia cada vez mais fortemente. O processo de Coaching prevê sim mudança de comportamento para se atingir um objetivo. Passa pela chamada “ressignificação” que implica em mudar o olhar sobre determinados fatos ou conceitos para se chegar lá, não importa qual o objetivo, se pessoal ou profissional. Trabalha-se no Coaching daqui para a frente – foco no futuro.

Certamente que, com isso, identificam-se problemas passados, muitos fortemente enraizados e que precisam ser olhados e tratados. Se este passado estiver influenciando o comportamento futuro de maneira superficial, que com algumas ferramentas ou conversas é possível virar o jogo ou fazer com que esse acontecimento passado não interfira na busca do objetivo, ainda estamos dentro da sessão de Coaching. Isso porque o foco do Coaching é muito prático, é muito voltado para a ação. Mas quando identificamos questões complexas, vindas de traumas ou afins, é hora de pedir ajuda a um outro profissional. Os coaches não tem habilitação clínica que psicólogos, psiquiatras e psicanalistas têm. E precisam ter responsabilidade para não colocar seu cliente em risco.

Critérios para formação


Acredito fortemente que a formação de Coaching deveria ser uma pós-graduação. Neste momento alguns podem me chamar de corporativista já que também sou professora de pós em uma das grandes universidades do País.  Outros podem dizer: um diploma universitário não significa competência ou habilidade. Infelizmente o ensino universitário foi bastante banalizado e sim, há muitas instituições licenciadas pelo MEC com nível baixíssimo de qualidade.

Esse é um problema que vem desde o ensino básico brasileiro, bastante deficitário e culmina em problemas na universidade. Mesmo que não seja o filtro mais eficaz, já seria o primeiro. É comum vermos nas superlotadas salas dos cursos de formação em Coaching dois perfis que considero perigosos: aquele que não teve acesso ao conhecimento e aquele que não dá valor para o conhecimento.

Antes de continuar, um aparte: considero que uma sala de formação em Coaching deveria ter, no máximo 10 ou 12 alunos para que, efetivamente, o professor possa acompanhar cada um deles. Mas a realidade é outra: algumas escolas permitem até 100 pessoas em sala.

Voltando à questão dos perfis: aquele que não teve acesso ao conhecimento corre o risco de ter dificuldades em entender o que é dado no curso e acabar se tornando um repetidor de texto de livros de autoajuda (o que até alguns professores de Coaching o são, infelizmente). E aquele que não dá valor ao conhecimento por isso não se preocupou em ter uma profissão ou uma formação que exija aprofundamento e estudo. Esse vê nas irresponsáveis campanhas de vendas de alguns cursos de Coaching, uma maneira de enriquecer sem esforço.

Outro ponto que considero relevante para “organizar a bagunça” seria a regulamentação da profissão, com código ética, pré-requisitos, algum lugar em que as pessoas que se sintam lesadas possam recorrer e também sanções para quem não cumprir as regras.  Nesse caso seria fundamental que não pudessem participar desse processo de regulamentação donos de escolas pagou/entrou ou outros que tenham interesse que a coisa seja muito mais quantitativa do que qualitativa. E também que essa regulamentação passasse pelo diálogo com outras áreas que cruzam com o Coaching
E, por fim, que houvesse um pouco mais de consciência e menos ganância e arrogância. Consciência das próprias limitações e das consequências de um serviço mal feito. Mais consciência de que conhecimento implica em aprofundamento e reflexão e não apenas em decorar frases feitas ou o uso de ferramentas. Consciência do espaço de cada profissão e de até onde s consegue ir. 

Milagreiros e pavões


Os vendedores de milagres bem como os coaches rabo de pavão ainda não perceberam o tiro no pé que estão dando em longo prazo. Como vendedores de milagres considero aqueles que dizem que o Coaching cura tudo. De calo no pé até traição de marido. É só pensar positivo que acontece.... E como rabos de pavão considero aqueles que não param de abrir o leque de especialidades. Uma hora são especialistas em empreendedorismo. Em outra em liderança feminina. Em outra em questões XPTO etc. Cada hora o “coach” agrega mais uma especialidade tão rasa quanto uma gota de água.

Acredito fortemente que um coach precisa de história de vida e carreira. Quem é o profissional que se está contratando? O que ele já fez na vida e o que ele fez e faz com a própria vida? Ao contratar não olhe apenas as dezenas de cursos de um ou dois dias que o profissional fez. Mas consulte a solidez da sua história: trabalhou para multinacionais? – em caso do Coaching Executivo e de Negócios -  em que cargos? Fez o que? Que resultados trouxe? Ah, mas coach não é consultor então não precisa ser especialista vão dizer alguns.

Com toda certeza quem afirmar isso tem razão. Mas aqui não falo de especialidade técnica, mas de ter história, de ter solidez. De construção de vida. De ter saído de um lugar e ter chegado a outro. Um coach não precisa ser milionário para mostrar seu valo, não estou falando disso. Mas se oferece a você possibilidades de sair de um determinado ponto e chegar a outro, como ele tem aplicado essa mesma metodologia na própria vida?

E para meus colegas coaches eu diria: que tal trocar a estratégia do invadir e conquistar pelo se aprofundar e perpetuar? Cada um no seu “quadrado” e cuidando muito bem dele.

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